Porque nem sempre sabemos de tantas coisas que somos
capazes de fazer internamente?
Dependemos de processos inconscientes para viver e fazer o
que fazemos. Seja a digestão ou a regeneração de tecidos, não precisamos tomar
conta desses processos para que eles funcionem perfeitamente. O mesmo ocorre
com a maioria dos processos de pensamento. Não precisamos prestar atenção neles
para que funcionem, e fazer isto pode até atrapalhar (veja qual é melhor,
soletrar prestando atenção na imagem interna ou não).
A resposta para a pergunta acima é que, quando fazemos
algo bem, não precisamos ficar prestando atenção a como fazemos. E se não estamos prestando atenção a alguma coisa,
ela fica inconsciente. O que é necessário para fazer algo bem, sem precisar
prestar atenção a como fazemos?
Há resultados que obtemos facilmente, como caminhar, falar
e soletrar. Outros resultados podem exigir alto grau de concentração e atenção
consciente, como memorizar um texto. E há certas coisas que podemos não
conseguir de jeito algum, como subir em uma corda equilibrando no queixo uma
espada em cuja ponta se apóia uma travessa de alumínio com quatro taças de
cristal. Mas há pessoas que fazem facilmente coisas que em princípio são
difíceis para nós (o exemplo da espada é real, é de um torneio de artistas de
circo). Esses exemplos evidenciam dois aspectos importantes relacionados a
estratégias:
-
Estratégias são aprendidas, isto é, instaladas na mente
como padrões para uso posterior.
-
Há graus de maturidade no aprendizado de uma
estratégia.
Instalação de estratégias
Você sabe assobiar? Se sim, como faz para emitir
exatamente o som que quer? Você aprendeu que, se fizer um bico com os lábios de
um certo jeito e emitir uma certa quantidade de ar, sairá uma nota. Ligeiras
variações no bico provocam outras notas. E você sabe que repetindo esses
padrões, conseguirá os mesmos resultados.
E para aprender a tirar sons harmônicos em um instrumento
musical? Com ou sem instrução, você aperta aqui e ali, puxa de lá, repetindo
movimentos e fazendo ajustes, e logo descobre alguns padrões de comportamento
que funcionam e outros que não funcionam. Está desenvolvendo estratégias para
lidar com o novo.
Considere agora uma criança que vai aprender a desenhar. O
professor mostra a ela como fazer um quadriculado sobre um desenho a ser
copiado, e um quadriculado em branco no qual ela vai copiar cada quadrado do
original. A criança agora aprendeu um outro padrão de comportamento, para obter
um resultado, uma cópia fiel de uma imagem.
Uma estratégia é um padrão de comportamento que em si
constitui uma unidade que pode ser executada como um todo. Em um certo sentido,
estratégia é sinônimo de capacidade. Quando dizemos que alguém é capaz, isto
significa que reconhecemos que a pessoa pode obter sistematicamente certos
resultados. Ou seja, a pessoa é capaz de reproduzir uma série de comportamentos
objetivos. E se ela é capaz de reproduzi-los, de alguma maneira eles estão instalados
na sua mente e na sua neurologia, tornando-se disponível para quando a pessoa
quiser. Uma estratégia instalada é análoga a um programa no disco rígido, que
deve ser carregado na memória e executado para fazer o que faz. Uma pessoa pode
ter centenas de estratégias internas instaladas, à espera para execução.
O conjunto de estratégias instaladas de uma pessoa forma a
sua capacidade como um todo. Podemos também contextualizar o conceito de
capacidade: um jornalista, por exemplo, possui um conjunto de estratégias
específicas, relacionadas às atividades que deve exercer para cumprir seu
papel.
Aprender, portanto, é instalar novos padrões de
comportamento na forma de estratégias, que depois podem ser usados de forma
integrada para atingir objetivos. A agilidade com que é executada uma
estratégia pode variar, e é chamada competência.
Graus de competência
Com relação ao grau de eficiência com que a pessoa executa
uma estratégia ou conjunto de estratégias, distinguimos quatro estágios
[O´Connor, 1996]:
Incompetência
inconsciente – A pessoa não sabe de algo, e não sabe que não sabe. Este é o
caso de uma criança com relação a dirigir automóveis, possibilidade que sequer
passa pela sua mente.
Incompetência
consciente - A pessoa não sabe, mas
sabe que não sabe. A possibilidade de
dirigir existe em sua mente, mas a pessoa não tem nenhuma habilidade
desenvolvida.
Competência
consciente: A pessoa sabe e precisa estar concentrada para obter resultados.
A pessoa sabe dirigir, mas fazê-lo com competência exige atenção constante.
Competência
inconsciente: A pessoa sabe, mas não precisa saber que sabe, e consegue
resultados mesmo quando faz alguma outra coisa. Este é o caso do motorista que,
enquanto troca uma marcha, conversa,
escuta o rádio e admira a paisagem.
O último estágio, a competência inconsciente, é aquele em
que se pode utilizar plenamente os recursos do organismo humano: torna-se fácil
e rápido obter resultados. Uma pessoa com uma estratégia de decisão nesse
estágio é capaz de tomar decisões importantes e complexas em frações de
segundo. Alguém com uma boa estratégia de memorização nesse estágio pode
lembrar-se de algo que apenas (e aparentemente) olhou. E também é o estágio em
que podemos usufruir melhor de certas atividades: apreciar a paisagem e o vento
ao andar de bicicleta, concentrar-nos nos sabores de uma refeição e tantas
outras coisas que nos proporcionam prazer.
A competência inconsciente é o estágio ideal para agirmos,
mas oferece também riscos. Se aprendermos nesse estágio uma estratégia limitada
que não contém alguma possibilidade de aperfeiçoamento, as limitações podem
prejudicar os resultados. Por exemplo, um motorista que toda vez que arranca
tensiona o braço direito poderá ter dores quando dirigir por mais tempo. Um
tenista que aprende a sacar errado e automatiza esse movimento continuará
sacando errado até que intervenha nessa habilidade. Uma pessoa que não disponha
de alguma estratégia de atualização de crenças e convicções pode perder
oportunidades oferecidas pelas experiências diferentes que vivenciou.
Você já deve ter notado que em termos de capacidade de execução
de estratégias, os seres humanos são
semelhantes, embora possam variar bastante as estratégias que cada um tem disponíveis.
Podemos compreender agora que certas palavras às vezes usadas para descrever
características de pessoas, como "incapaz" ou "burro", se referem a limitações de estratégias
internas. Por exemplo, sobre alunos com problemas na escola, os criadores da
PNL (Dilts et al.[1980]) dizem:
"Na nossa
experiência muitos jovens que foram rotulados de 'lentos', 'difíceis' ou 'incapazes' nesse contexto estão longe de
serem 'estúpidos' – eles simplesmente têm estratégias diferentes para aprender
que não são utilizadas pelas atuais técnicas de educação"
Pinturas
feitas com a boca (esquerda) e com os pés (Divulgação da ONG Pintores com a
Boca e os Pés)
Uma observação final sobre consciência das estratégias
internas. Pergunto: você está consciente das sensações na sua orelha direita?
Você está consciente do ritmo da sua respiração? Você está consciente do
contato da roupa nas costas? Você está consciente do que o seu fígado está
fazendo por você neste momento? Você está consciente de algo que fez quando era
bebê? Você está consciente de que está consciente?
O conceito de inconsciente
diz respeito a algo que não estamos notando, mas isto não quer dizer que está
inacessível. Mesmo que você seja competente inconsciente em uma atividade, pode
ter acesso ao que está fazendo, a partir do momento em que comece a prestar
atenção. Ou seja, há coisas que realmente ficarão inconscientes para nós, mas
há muitas que podem ser tornadas conscientes. Há também as coisas que estão
inconscientes para nós, e que podem ser percebidas por outra pessoa. Isto abre
fantásticas portas para o aperfeiçoamento humano, como veremos.
Atividade 25 – Suas competências
Identifique algumas
atividades nas quais você possui competência inconsciente (despreze falar ou
andar). Para facilitar a pesquisa, segmente sua busca em contextos e situações:
casa, trabalho, lazer, esporte, escrita, planejamento, música, artes em geral,
automóvel. Procure também algo que faça que eventualmente possa lhe provocar
algum desconforto, como talvez ciúme ou certos hábitos.
Um indício desse nível de
proficiência é que para fazer o que queremos aparentemente "não precisamos
pensar". Outro indício é que o processamento parece automático, o que
precisamos simplesmente "vem". Exemplo: em jogos de tabuleiro, como
damas, a jogada e seus desdobramentos se desenham rapidamente. Em instrumentos
musicais, gosto de dizer que "a mão toca sozinha". Mais um indício:
conseguimos fazer outra coisa ao mesmo tempo, como conversar.
Atividade 26 – Sua estratégia de soma
Faça de cabeça uma soma simples, como 2 + 7, e
procure verificar como faz. Aumente a complexidade e identifique limites para
sua estratégia. Por exemplo, você consegue somar 37 + 15? E 1274 + 3255?
Você tem outras estratégias para somar números
maiores? Você faz tudo de cabeça ou precisa ficar olhando para os números
escritos?
Atividade 27 – Novo dicionário
Imagine novas definições para as palavras abaixo, à
luz das estratégias. Por exemplo, "intuição", em uma de suas
acepções, pode ser ressignificada como "idéia ou pensamento obtido a
partir de uma estratégia interna na qual se tem competência inconsciente".
a)
Incapaz
b)
Burro
c)
Indeciso
d)
Inteligente
e)
Louco
Fatores da aprendizagem
A grande maioria das estratégias que usamos foram
aprendidas. E boa parte delas foi aprendida inconscientemente, isto é, não
tínhamos controle sobre o que era aprendido, como andar e falar.
Veja o que diz Richard Bandler [87] sobre a nossa
capacidade de aprendizagem:
"Sempre escuto dizer que deixamos de aprender aos cinco
anos de idade, mas não tenho provas de que isto seja verdade. Pare e reflita
sobre isto. Desde os seus cinco anos de idade até agora, quantas coisas fúteis
você aprendeu, sem falar nas úteis? Os seres humanos têm uma incrível
capacidade de aprender. Estou convencido, e vou convencê-lo – de uma maneira ou
de outra – de que você ainda é uma máquina de aprender novas coisas. O lado
positivo desta história é que você é capaz de aprender de maneira incrível e
rápida. O lado negativo é que você pode aprender tanto coisas úteis quanto
inúteis.
Qual dos presentes é atormentado por seus próprios
pensamentos? Você diz a si mesmo: 'Gostaria de tirar tal coisa da minha
cabeça'. Mas o mais incrível é que, para começo de conversa, você tenha
colocado tal coisa em sua cabeça! O cérebro humano é realmente fantástico. O
que ele leva a pessoa a fazer é absolutamente incrível. O problema não é que o
cérebro não consiga aprender, como nos tem sido dito com freqüência. O grande
problema é que ele aprende rápido e bem demais. Pense no caso da fobia, por
exemplo. É impressionante que as pessoas consigam lembrar-se de ficarem
aterrorizadas cada vez que vêem uma aranha. Nunca encontramos uma pessoa fóbica
que olha para uma aranha e diz: 'Droga, esqueci de ter medo'. Existe alguma
coisa que você deseje aprender de uma maneira tão profunda? Quando se olha por
este prisma, uma fobia é um tremendo sucesso em termos de aprendizagem. E, ao
analisarmos o histórico da pessoa fóbica, veremos que se trata de aprendizado
instantâneo: foi necessário apenas uma única experiência para que ela
aprendesse algo de que vai lembrar-se pelo resto da vida.
(...) Você é capaz de aprender mais rápido do que um
computador. O que precisamos é saber mais a respeito da experiência subjetiva
do processo de aprendizagem, para que possamos administrar o que aprendemos, e
ter maior controle sobre a nossa experiência e sobre o que aprendemos."
De fato, hoje já sabemos muito mais sobre a experiência
subjetiva de aprender, e boa parte desse conhecimento você está tendo
oportunidade de experimentar.
Por exemplo, como alguém aprende a andar de bicicleta?
Certamente cairá algumas vezes e continuará tentando até dominar as estratégias
necessárias. Processos de aprendizagem em geral envolvem um ciclo de
tentativa-e-feedback. Temos algum propósito, tentamos uma estratégia.
Observamos o resultado e, se não é o que queríamos, fazemos ajustes e tentamos
novamente, repetindo o ciclo até ter sucesso. Este ciclo pode ser abreviado
quando partimos de alguma estratégia que alguém desenvolveu ou que observamos
(veja mais adiante).
O que mais pode estar envolvido em um processo de
aprendizagem?
Suponha que alguém está aprendendo uma dança de salão,
como salsa ou bolero. Ela está desenvolvendo capacidades de executar certos
comportamentos, ao ritmo de uma música.
Para que se dedique, essa pessoa também precisa acreditar que é possível
para ela aprender. Por outro lado, nada mais desagradável do que um casal que
dança e não "está nem aí" para quem está ao redor. Ou seja, há
valores também envolvidos.
Assim, aprender a
dançar integralmente envolve instalar, além de estratégias específicas (base,
passos), crenças, valores e conhecimentos. Também envolve ter objetivos
específicos ligados a essa atividade: dançar para quê? Se a pessoa não tiver
nenhum objetivo que a atraia, pode ser difícil fazer com que ela vá até a
escola.
Agora, qual é a expectativa que você tem de que essa
pessoa aprenda a dançar assistindo aulas expositivas sobre como se dança, ou
vendo vídeos de casais dançando? Há conhecimentos envolvidos na dança, mas o
dançar propriamente dito envolve várias estratégias, que só se aprende fazendo e praticando, ou seja, com
experiência. Outro exemplo: uma pessoa pode conhecer vocabulário e gramática de
inglês e entender essa língua falada ou escrita, e mesmo assim não falar
fluentemente, por falta de estratégias específicas. As estratégias para tratar do vocabulário são
diferentes das estratégias de entendimento que são diferentes das estratégias
de comunicação (Dilts e Epstein, 1999).
A experiência necessária para o aprendizado pode ser
adquirida de duas maneiras: prática corporal, a mais usada, ou ensaio mental,
uma possibilidade muito pouco explorada e que será vista mais à frente.
Em situações de aprendizado
que envolvem mais de uma pessoa, podem ser importantes as características do
relacionamento, como o grau de empatia e confiança. Certamente será mais
difícil uma pessoa se deixar conduzir por alguém, quando ela não acredita que
esteja fazendo um bom trabalho.
Atividade 28 – Leitura: O Golfinho Esperto
Gregory Bateson, que escreve sobre comunicação e teoria dos sistemas,
em seu livro Steps to the ecology of mind, conta a sua experiência ao estudar
os padrões de comunicação dos golfinhos no Instituto de Pesquisas Marítimas, no
Havaí.
Bateson trabalhou com os instrutores enquanto eles ensinavam os
golfinhos a se apresentarem em espetáculos públicos. O processo começou com um
golfinho não treinado. No primeiro dia, quando o golfinho fez alguma coisa
diferente, como saltar para fora da água, o instrutor usou um apito e, como
recompensa, deu-lhe um peixe. Sempre que o golfinho se comportava daquela
maneira, o instrutor usava o apito e jogava-lhe um peixe. Logo, o golfinho
aprendeu que o seu comportamento lhe garantia um peixe; ele o repetia
continuamente, sempre esperando uma recompensa.
No dia seguinte, o golfinho surgiu e executou o seu salto, esperando um
peixe. Não o teve. Durante algum tempo, ele repetiu o seu salto, inutilmente.
Irritado, fez alguma outra coisa, como uma viravolta. O instrutor, então, usou
o apito e deu-lhe um peixe. Sempre que o golfinho repetia aquela nova proeza,
na mesma sessão, recebia a recompensa. Nenhum peixe para a proeza de ontem,
somente para alguma coisa nova.
Esse padrão foi repetido durante 14 dias. O golfinho surgia e realizava
a proeza que aprendera no dia anterior, sem nenhum resultado. Muitas vezes,
executava as proezas de alguns dias atrás, só para conferir as regras. Mas, só
era recompensado quando fazia alguma coisa nova. Provavelmente, isso foi
bastante frustrante para o golfinho. Contudo, no décimo quinto dia, de repente,
ele pareceu ter aprendido as regras do jogo. Entusiasmou-se e apresentou um
espetáculo surpreendente, incluindo oito novas formas diferentes de
comportamento, quatro das quais jamais haviam sido antes observadas na espécie.
O golfinho parecia ter compreendido não apenas como gerar o novo comportamento,
mas também as regras sobre como e quando gerá-lo. Os golfinhos são
inteligentes.
Um último detalhe: durante os 14 dias Bateson observou que o instrutor
jogava peixes para o golfinho fora da situação de treinamento. Bateson ficou
curioso e questionou essa atitude. O instrutor respondeu: "Ah! isso. É
para manter as coisas em termos amigáveis, naturalmente. Afinal, se não
tivermos um bom relacionamento ele não vai se dar ao trabalho de aprender
alguma coisa".
J. O'Connor e J. Seymour, em "Treinando
com a PNL", Summus.
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